LICITAÇÃO – SUPOSIÇÃO DE CONLUIO EM PROCESSO LICITATÓRIO PRECISA COMPROVAR PREJUÍZO AOS CONCORRENTES E AO CERTAME
Desembargadora do TRF4 suspendeu os efeitos de liminar concedida em Mandado de Segurança em certame conduzido pela CEF, neste, o impetrante do MS provou vinculo familiar consistente, entre integrantes de duas concorrentes, das quais uma restou adjudicatária, inclusive com dados de contato profissional idênticos. Entretanto, não se trouxeram aos autos elementos que comprovassem a utilização dessa condição de proximidade familiar para prejudicar os demais concorrentes ou ao próprio certame.
LICITAÇÃO – SUPOSIÇÃO DE CONLUIO EM PROCESSO LICITATÓRIO PRECISA COMPROVAR PREJUÍZO AOS CONCORRENTES E AO CERTAME
Desembargadora do TRF4 suspendeu os efeitos de liminar concedida em Mandado de Segurança em certame conduzido pela CEF, neste, o impetrante do MS provou vinculo familiar consistente, entre integrantes de duas concorrentes, das quais uma restou adjudicatária, inclusive com dados de contato profissional idênticos. Entretanto, não se trouxeram aos autos elementos que comprovassem a utilização dessa condição de proximidade familiar para prejudicar os demais concorrentes ou ao próprio certame. Eis que os últimos lances do pregão foram inclusive ofertados pelo impetrante do MS, e concorrentes outros que não as demandadas.
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5010781-46.2020.4.04.0000/PR
AGRAVANTE: POTY RENT A CAR LTDA - EPP
AGRAVADO: GERENTE DE FILIAL - GERÊNCIA DE FILIAL, DESENVOLVIMENTO URBANO E RURAL - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF - CURITIBA
AGRAVADO: PREGOEIRO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF - CURITIBA
AGRAVADO: OBDI EQUIPAMENTOS EIRELI
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, em Mandado de Segurança, contra decisão que deferiu a liminar, para suspender o processo Licitatório Pregão 049/7068-2019 do GILOG/CT, na fase em que se encontrar, inclusive suspendendo os serviços, caso a prestação já tenha se iniciado, tendo em vista a suposta participação no certame de empresas coligadas, nos seguintes termos:
"1. A impetrante, devidamente qualificada, busca provimento judicial, já em liminar, para o fim de "... SUSPENDER O PROCESSOP LICITATÓRIO referente ao Pregão Eletrônico nº 049/7068-2019 do GILOG/CT, em especial sustando aassinatura do contrato até o efetivio julgamento do presente Mandado de Segurança", e, subsidiraiamente, "caso o contrato já tenha sido assinado, requer-se a concessão do provimento liminar para o fim de suspender o início dos serviços contratados, a fim de se evitar a convalidação das nulidades..."
Para tanto, alega que participou do Pregão Eletrônico nº 049/7068-2019 regido pelo Edital nº 049/7068-2019-GILOG/CT da CEF para contratação de serviços de transporte de pessoas e/ou pequenos volumes e documentos não postais.
Alega "Encerada a fase de lances, identificou-se que a empresa vencedora do certame foi a POTY RENT A CAR, já que, a princípio, teria apresentado a proposta com o valor mais baixo., ficando em segundo lugar a empresa CAPIM DOURADO. A impetrante OBDI, por sua vez, ficou em terceiro lugar. Todavia, conforme será melhor abordado a seguir, as empresas POTY e CAPIM DOURADO não podem ser sagradas vencedoras neste processo licitatório, uma vez que ambas atuaram ilegalmente de forma coligada no certame e fazem parte de um grupo econômico de fato, utilizando-se desta coligação para manipular a concorrência da licitações em que participam e, assim,. garantir vantagens desleais e ilegais para si (e/ou para as outras empresas de seu grupo) em licitações públicas por todo o país."
Entende que o certame está eivado de ilegalidade, ante a falta de isonomia, moralidade, impessoalidade.
Formula os pedidos descritos em inicial, inclusive em liminar, juntando instrumento de procuração e documentos.
Na sequência, vieram-me conclusos os autos.
É o relatório,
Decido.
Para a concessão de liminar em mandado de segurança o artigo 7º, inciso III da Lei n. 12.016/2009 exige a plausibilidade do direito invocado e a sujeição da parte a perigo de dano, caso a prestação jurisdicional se dê apenas por oportunidade da sentença.
O Pregão, criado pelo art. 2º, § 1º da Lei 10.520/02, veio regulamentado no Decreto 5.450/05, o qual é expresso em admitir que:
“Art. 5º. A licitação na modalidade de pregão é condicionada aos princípios básicos da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, eficiência, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, bem como aos princípios correlatos da razoabilidade, competitividade e proporcionalidade.
Parágrafo único. As normas disciplinadoras da licitação serão sempre interpretadas em favor da ampliação da disputa entre os interessados, desde que não comprometam o interesse da administração, o princípio da isonomia, a finalidade e a segurança da contratação.”
Ainda, conforme o art. 13 do referido Decreto:
"Art. 13. Caberá ao licitante interessado em participar do pregão, na forma eletrônica:
I - credenciar-se no SICAF para certames promovidos por órgãos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e de órgão ou entidade dos demais Poderes, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que tenham celebrado termo de adesão;
II - remeter, no prazo estabelecido, exclusivamente por meio eletrônico, via internet, a proposta e, quando for o caso, seus anexos;
III - responsabilizar-se formalmente pelas transações efetuadas em seu nome, assumindo como firmes e verdadeiras suas propostas e lances, inclusive os atos praticados diretamente ou por seu representante, não cabendo ao provedor do sistema ou ao órgão promotor da licitação responsabilidade por eventuais danos decorrentes de uso indevido da senha, ainda que por terceiros;
IV - acompanhar as operações no sistema eletrônico durante o processo licitatório, responsabilizando-se pelo ônus decorrente da perda de negócios diante da inobservância de quaisquer mensagens emitidas pelo sistema ou de sua desconexão;
V - comunicar imediatamente ao provedor do sistema qualquer acontecimento que possa comprometer o sigilo ou a inviabilidade do uso da senha, para imediato bloqueio de acesso;
VI - utilizar-se da chave de identificação e da senha de acesso para participar do pregão na forma eletrônica; e
VII - solicitar o cancelamento da chave de identificação ou da senha de acesso por interesse próprio.
Parágrafo único. O fornecedor descredenciado no SICAF terá sua chave de identificação e senha suspensas automaticamente."
Ora, é certo que licitação comporta dois objetos, o imediato, “... seleção de determinada proposta que melhor atenda aos interesses da Administração...” e o mediato, “... obtenção de certa obra, serviço, compra, alienação, locação ou prestação de serviço público, a serem produzidos por particular por intermédio de contratação formal.” (José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 21ª ed., p. 232), daí porque é na compreensão total do seu significado que se apreciam as cláusulas editalícias, e, para o caso, a sua correta efetivação, ou não.
Consultando o Edital pertinente (EVENTO 1 EDITAL 2), extrai-se que o credenciamento dos participantes estava previsto para 11h00 do dia 30/09/19, viabilizando a impugnação ao Edital até as 16h00 do dia 26/09/2019. Ou seja, é evidente que para impugnar o edital não havia qualquer necessidade de estar o interessado cadastrado.
Ora, a impugnação da impetrante (EVENTO 1 - OUT4), cujo conteúdo em muito se assemelha ao da presente demanda, especialmente no que tange à participação coligada e formação de grupo econômico entre as duas primeiras empresas vencedoras, foi julgada improcedente em 28/11/2019 (EVENTO 1 - ATA5).
No entanto, sabe-se que pode o Poder Judiciário rever decisão administrativa, especialmente quando evidenciada ilegalidade ou iregularidade, seja no aspecto formal, seja no aspecto material do Processo Administrativo.
No caso em exame, observo que a impetrante traz dados relevantes, a evidenciar a possibilidade de conluio entre as empresas vencedora do certame. Destaco a relação de parentesco entre os sócios das empresas POTY e CAPIM DOURADO, facilmente demonstrada pelas CNHs juntadas com a exordial.
Ainda, merece menção o fato de as propostas de ambas as empresas terem sido elaboradas pela mesma pessoa, Sr. João Mendes da Silva Neto, o que demaonstra o compartilhamento de informações e reforça a tese do conluio.
Também, cabe destacar que a sócia da empresa Capim Dourado, Sra. Dânia, é também representante da empresa Poty Rent a Car, conforme acordos coletivos juntados com a inicial.
Assim, entendo que ficou comprovado a probabilidade do direito líquido e certo que teria sido violado, ao ter permitido a participação de empresas coligadas, além dos princípios licitatórios da isonomia e da competitividade.
Ante o exposto, sendo o quanto basta para o juízo perfunctório, DEFIRO A LIMINAR, para suspender o Processo Licitatório Pregão 049/7068-2019 do GILOG/CT, na fase em que se encontrar, inclusive suspendendo os serviços, caso a prestação já tenha se iniciado, nos termos da fundamentação supra."
Sustentou a parte agravante POTY RENT A CAR LTDA-EPP, em síntese, que, ainda que se verifique a participação das duas empresas na licitação, com relação de parentesco entre os seus sócios, inviável falar-se em ofensa aos princípios da isonomia, da legalidade, da moralidade, da vinculação ao instrumento convocatório ou à regra de sigilo das propostas. Aduziu que, para fins de apuração de conduta reprovável, necessária se fazia a comprovação da intenção de fraudar o certame, o que não ocorreu. Asseverou que o vínculo de parentesco não pode servir de embasamento para justificar a suspensão do processo licitatório, até porque fere o princípio da legalidade, haja vista que não há previsão expressa contida em lei quanto ao impedimento. Argumentou que, no Acórdão nº 526/2013 - Plenário, o Tribunal de Contas da União enfrentou a questão e deliberou que não existe qualquer impedimento pela legislação vigente que obstaculize ou determine o afastamento de licitantes com sócios em comum para competir em um mesmo certame. Defendeu a perda de objeto da presente ação, uma vez que já fora homologado o resultado do processo licitatório e adjudicado o seu correspondente objeto. Pugnou pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
No Evento 2 - PET1 dos autos, a agravada Obdi Equipamentos Eireli apresentou manifestação prévia quanto ao pedido de efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Sustentou, em síntese, que todos os fatos trazidos na inicial do Mandado de Segurança denotam claramente a existência de uma coligação de fato entre as empresas, o que por si só, já justificaria a concessão da segurança pretendida. Referiu que o parentesco dos sócios não foi o único argumento utilizado para sustentar a existência de conluio entre as empresas. Aduziu que há clara demonstração na petição inicial de que esta atuação coligada trouxe prejuízos à isonomia e à concorrência do certame e a sua lisura. Destacou que a atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento trará prejuízos irreversíveis ao certame, com risco de irreversibilidade da medida. Ressaltou que tomou ciência de fatos novos que reforçam a existência de conluio entre as empresas Capim Dourado e Poty: (1) que o Sr. João Mendes Neto, responsável por modificar as planilhas das propostas de ambas as empresas, também atua como representante da empresa POTY em diversos atos (tais como licitações e contratos); (2) que a Sra. Dânia (sócia da Capim Dourado) já atuou como representante da empresa POTY em licitações passadas; e (3) em consulta ao Portal da Transparência do Governo Federal, verifica-seque ambas as empresas possuem o mesmo número de telefone para contato, o que se mostra como mais um forte indício desse conluio entre as empresas. Neste sentido, pugnou pela manutenção da decisão agravada.
É o relatório. Decido.
Considerando que os prazos processuais estão suspensos nos termos da Resolução nº 18/2020, que instituiu medidas emergenciais de prevenção ao contágio e à transmissão do novo coronavírus (COVID-19), bem como que os serviços desta Corte funcionam em regime de plantão extraordinário, passo a apreciar, sob esta condição, o pedido de efeito suspensivo formulado, considerando que se trata de processo licitatório em curso (Pregão Eletrônico 049/7068-2019 do GILOG/CT), a evidenciar a urgência da medida.
Segundo a redação do art. 1º da Lei nº 12.016/2009, cabível mandado de segurança para a proteção de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente, ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, podendo o juiz conceder a liminar se atendidos os requisitos previstos no art. 7º, III, do citado diploma legal.
De se notar, o direito líquido e certo a que se refere a lei é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração, devendo estar expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições para sua aplicação, de modo que a certeza e liquidez do direito devem ser comprovadas de plano.
Para a concessão de liminar em mandado de segurança, nos termos do citado artigo 7º, inciso III da Lei 12.016/2009, faz-se portanto necessário o preenchimento concomitante de dois requisitos: a) a relevância do fundamento; b) o risco de ineficácia da medida, caso concedida apenas ao final.
Do mérito
Em que pese a bem lançada decisão proferida pelo magistrado de primeiro grau, tenho que assiste razão à parte agravante.
Acerca dos princípios norteadores da licitação, a Lei n° 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, dispõe:
Art. 3°. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Destaco que o procedimento licitatório é resguardado pelo princípio da vinculação, exigência expressamente prevista no artigo 41 da Lei nº 8.666/93, segundo o qual a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital e os princípios que regem a administração pública.
Com efeito, não cabe ao Poder Judiciário reapreciar os critérios adotados pela Administração Pública, salvo quando eivados de vício de legalidade, o que a priori, não parece ter ocorrido no presente caso. Tal prerrogativa insere-se no mérito administrativo, que corresponde à atividade discricionária da Administração Pública, quando a lei lhe confere espaços para atuar de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade, atendendo sempre aos princípios da legalidade, publicidade, moralidade administrativa, impessoalidade. Enfim, todos aqueles expressos e implícitos no art. 37 da CF/88, e demais diplomas concernentes à atividade administrativa.
De fato, muito embora inexista em princípio vedação legal à participação, nos procedimentos licitatórios, de empresas constituídas por sócios que são parentes entre si, essas relações não só podem como devem ser investigadas pelo administrador sempre que houver indícios de conluio e violação ao sigilo das propostas, circunstância vedada pela Lei n. 8.666/93.
No caso em apreço, mesmo que fosse configurado o pertencimento ao mesmo grupo econômico das empresas que ficaram em primeiro e segundo lugar, tendo em vista os indícios relatados na decisão recorrida, não há como se afirmar que houve prejuízo à competitividade do certame.
Os fatos trazidos pela impetrante para comprovar a existência de conluio entre as empresas não evidenciam prejuízo ao concurso, pois, ou são externos àquela licitação, ou não impediram, de fato, a participação dos demais concorrentes. Ainda, a questão de as propostas de ambas as empresas terem sido elaboradas pela mesma pessoa é questão controversa nos autos.
A própria Caixa Econômica Federal, ao sustentar a inocorrência de prejuízos à concorrência na licitação, informou que a sessão de lances transcorreu normalmente, e nos moldes previsto no item 7 e subitens do edital do certame. Referiu que, conforme relatório da sessão de lances, disponível no portal de licitações da CEF (www.licitacoes.caixa.gov.br), os últimos lances foram ofertados por outras empresas, inclusive pela recorrente, no entanto todos superiores ao da empresa vencedora, o que evidencia à inexistência de prejuízo aos demais concorrentes.
Outrossim, o Tribunal de Contas da União já consignou que reconhece a inexistência, em princípio, de vedação à participação no mesmo certame licitatório, em especial no caso da modalidade pregão, de empresas do mesmo grupo econômico ou ainda que tenham em seu quadro societário pessoas com relação de parentesco, apenas ressalvando que é dever do administrador apurar indícios de conluio e violação dos sigilos das propostas.
Nesse contexto, conquanto incabível em sede de mandado de segurança instrução probatória, tenho que deve ser suspensa a decisão que deferiu a liminar pleiteada.
Acrescento, ainda, que inexiste o menor risco de irreversibilidade da situação material resultante da suspensão dos efeito da tutela deferida pelo magistrado de primeiro grau, dada a possibilidade de invalidação do resultado do certame, bem como da contratação da empresa vencedora, na hipótese de o pedido vir a ser julgado procedente.
Isto posto, defiro o pedido de efeito suspensivo postulado, apara revogar a decisão hostilizada, nos termos da fundamentação.
Comunique-se
Intimem-se, sendo que a parte agravada, inclusive, para os fins do disposto no art. 1.019, II do CPC. Após, ao MPF.
Desembargadora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Desembargadora: 27/3/2020, às 16:40:29